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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O primeiro choro

Ela era uma mulher com menos de vinte anos. Acabara de dar fruto à uma aventura, o fruto foi indesejado.
Ela acabara de sair do quintal, estava em sua cama com o fruto ao lado.
Naquele momento, a sós, ela pensou o quanto aquele dia poderia ser diferente.
Olhava aqueles olhos ainda pouco abertos, aquela boca sem controle de saliva, aqueles dedos mexendo espontaneamente.
Ela sentia um certo desespero, tinha em sua frente uma responsabilidade.
Tinha condições financeiras de sustentá-lo, mas não bastava.
Ali estava alguém que acabara de ver a luz pela primeira vez, alguém que daria muito amor à ela, alguém que receberia, dela, muito amor, alguém que o mundo iria ter que receber de braços abertos ou não.
Era esse seu medo, os braços cruzados do mundo.
Não bastava o amor, a educação, o dinheiro, o escorregar nas ladeiras. Havia o mundo e, pior que isso, os braços.
Seria estranho entregá-lo assim, como um dia ela foi entregue.
De repente, ao olhar um instante para si, ouviu o som que mais a incomodou no mundo.
Não por ser agudo, mas por vim de onde veio.
Aquele som teve o poder de rasgá-la o peito com sua primeira nota.
Ela segurou o fruto nos braços, balançou da esquerda pra direita delicademente e deu-lhe o seio.
O som parou.
Era fome.
A primeira reclamação de fome. E de um dos vários tipos de fome que um ser sente.
A fome de viver mal havia começado e ele já estava reclamando por outra fome.
Naquele momento, na cama, com os seios de fora, com seu fruto preferido, ela percebeu o descruzar dos braços do mundo.
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