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terça-feira, 19 de junho de 2018

agora

Ela, com vontade de escrever, mas sem ideia, pegou o jornal do dia e resolveu ler.
Chegando ali no caderno de arte, que falava sobre a mulher moderna, estagnou e pensou: será que esse ser moderna significa o que sou hoje? o que sou hoje?
Tomada por uma fúria de buscar o ser hoje, correu pro espelho e, diante dele, com seu óculos, moletom e descabelada, se viu pela primeira vez.
Pensou ter lido sobre o que ela era agora, mas o agora já não era mais agora, porque já passou. Assim como quando passa o segundo em que o pé esquerdo toca o chão enquanto caminha apressada, depois não toca mais e quem toca é o pé direito, depois não toca mais também pro esquerdo voltar a tocar.
E tudo isso, passando rapidamente pela cabeça, era pra entender que o agora sempre passa pra vir de novo.
E que ser mulher no agora, agora, não é, necessariamente, ser igual no agora que vem depois.
E por que pensar no que vem depois se o que importa é o agora?
Questionando-se sobre esse estado de estar aqui e agora, pensou no que foi antes. Mas resolveu não pensar mais porque já era tarde demais.
Foi essa ansiedade milenial que a impediu de ter se visto no espelho antes do aqui agora.
- Ainda tem os filmes que estão no cinema no jornal?

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sábado, 21 de abril de 2018

Apesar de.

As ruas nunca param.
Caso um dia você experimente parar para pensar, nada para. Nunca. Jamais.
Até onde não há vida, há.

E tem dias que nada a incomoda mais que esse movimento todo.
Essa necessidade de nunca parar, de sempre ser, estar, ir.
E em meio à toda essa confusão de não saber o que sentir, como sentir e se quer mesmo sentir - seja lá o que sentir for - ela só quer parar.

E não tem relação com o tempo - apesar de ter.
Existe dentro dela um medo de não ser só, de ter que estar junto, acompanhar e dividir.
Não é egoísmo - apesar de ser.

Só que todo dia rola uma espécie de desespero.
Um tremelique nas mãos, um medo de cair das escadas ou de perder o ônibus.
Seguir o caminho pelas pernas nem sempre dói, só atrasa.

É em cada paralelepípedo que ela tropeça.
Ainda bem que ela não está só - apesar de estar.
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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Sobre intimidade

Ana sempre teve um troço com mãos.
A primeira vez que as mãos de um rapaz tocaram seus seios ela guardou na memória.
A primeira vez que as mãos dela se entrelaçaram com a do homem que ela julga ser o homem da sua vida, ela lembra: garoava em São Paulo, no meio da Avenida Paulista e eles se dirigiam em direção a um carro.
Ela lembra também do quanto suas mãos a fazem lembrar de estar e ser, no presente.
E em meio a tantos toques de mãos, entrelaçadas de dedos, texturas, ela ainda julga o troço com as mãos ser mais íntimo que o próprio sexo.
É porque esse toque vai além. Não é só o toque, é a segurança, é a textura, o calor e o suor que algumas mãos tem.
É com as mãos que se tem o prazer individual, particular, íntimo.
Não importa unhas bem serradas, pintadas ou mãos macias. O que importa é o troço que dá.
A intimidade das mãos pra Ana é tanta que ela esquece de olhar os olhos e acreditar na palavra.
O toque tá aqui, na palma.
Nem sempre o carinho é tão suave, o que diz muito desse acolher.
E o quanto esse troço engana. Essas mãos que tocam e passam segurança e que, de repente, tocam outros corpos.
E ainda assim, as mãos, para Ana, são mais íntimas que o sexo.
Será que ela já experimentou entrelaçar os próprios dedos? 
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segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Do que eu lembro

São várias as lembranças que tenho de quando eu era mais leve.

Em uma das fotos de infância da minha irmã, havia um ursinho de pelúcia marrom.
Eu não lembro se cheguei a vê-lo um dia, ela é mais velha e naquela foto foram acrescentados alguns anos até o meu nascimento.
Mas quando eu penso na minha infância, por algum motivo, eu penso nesse urso.
É como se, de tanto eu olhar a foto, eu pudesse tocá-lo e até sentir o cheiro de guarda-roupa que ele tinha.

Eu nunca tive um urso de pelúcia que pudesse ter me apegado tanto. Sempre preferi as bonecas.

É engraçado quando eu paro pra pensar em mim brincando com brinquedos. Eu lembro de mim com minhas amigas, claro. Mas lembro de mim também, sozinha, na casa da minha avó, brincando com os carrinhos do meu primo enquanto ele tava na aula de futebol.

Lembro também de um dia com o meu pai, no ônibus, voltando pra casa, no fim de tarde. Chovia e eu estava sentada no banco e ele em pé ao meu lado. Minha mochila era grande e pesada, e mesmo eu sentada, era ele quem a carregava.

A descia do ônibus e ia à padaria comprar o pão careca dele e o meu bolo formigueiro.

Eu não fazia ideia dos problemas que realmente pesavam, mas pra mim, estar em casa tomando um café com leite comendo o bolo era a solução pra qualquer um deles.

Talvez, de uma certa forma, ainda seja.


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A espera

Eu lembro quando acreditava em mim.
Eu fechava meus olhos, o vento batia, balançava meus cabelos, eu sorria e seguia.
Não tinha medo ou ser que me impedisse de me viver.
Até que desisti.

Eu me descontrolei.
Caí da corda bamba.
Tropecei na perna de pau.
Ralei o joelho pra desviar da calçada.
Torci o dedão do pé pra chutar no gol.

As mãos ficaram inseguras e não tinham dedos que pudessem controlar.
Eu soluçava de tanto me perder.
Olhava pro alto e nada enxergava.

Não sei pra onde isso tudo se desviou e na maioria dos dias acho que está tarde pra reencaixar.

Às vezes eu espero tanto chegar lá que, de tanto esperar, eu perdi o endereço.


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louca

"Eu estou louca" - ela pensava.
Era ali, no meio da multidão, com o copo de água na mão, que ela pensava "eu estou louca".

Atravessou no meio de todo mundo, um empurra-empurra daqui e de lá, os pisões nos pés e as cerveja nos cabelos, e ela só conseguia pensar "eu estou louca".

Era a luz rosa, que ora era vermelha, ora amarela ou azul. Eram tipo raios que a atravessava mas ela não sentia. Não sabia mais onde estava e só conseguia pensar estar ficando louca.

A gente nunca se encontra por completo, ela só não sabia disso ainda. Na cabeça passava o pão que ela comeu pela manhã ao mesmo tempo em que pensava aonde ela deveria estar.

Às vezes a vida converge com o passado e a gente só quer ficar ali, quando só o que nos atingia era a rejeição dos meninos quando queríamos brincar de bola também.

As calças jeans já não são tão simples de vestir e nem tudo tem explicação, mas não é fácil ser como se é. Ainda.

"Eu estou louca" - ela pensava.

Ainda ali no meio da multidão, na mesma velocidade com que as luzes mudavam de cor, os pensamentos percorriam do início ao fim, não exatamente nesta ordem.

Até chegar ao outro lado, todos pareciam estar mais felizes do que ela. Era um estado estático, onde nada se mexia e nem saía do lugar ao mesmo tempo em que tudo estava em movimento.

Era claro o que estava acontecendo: ela estava ficando louca. Ou quase lá.

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quinta-feira, 30 de março de 2017

Instalada na loucura que é ser, eu me atravesso por inteiro.
As mãos tremem por não chegar, os pés suam por não sair, o coração soa como quem apela socorro.
A vida só é vivida quando é sentida.
Não é uma busca por mim, ou por alguém que aqui exista. É um buscar o ser.
E por mais que nem tudo tenha explicação, tenha um porquê, tenha um pra onde, eu busco.
Busco não porque eu tenho que ir a algum lugar, mas sim porque de algum lugar eu tenho que partir.
Talvez eu nunca encontre o que eu não sei o que quero encontrar, mas talvez eu transpire no chegar.
É uma busca infinita por vida que respira.
É um ócio sentido do dedo mindinho do pé até o fio de cabelo atiçado na ponta da cabeça.

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